(Divulgação) |
Crítica: Livro
Você
sabe muito bem o que esperar quando aperta o play em um CD de sua banda de rock
favorita: som pesado, agitação e alguns momentos reservados para baladas
açucaradas que representam seu atual momento amoroso. Mas o que pensar quando
se compra o livro do cantor do grupo que define parte da sua vida? É o desafio
lançado em O Barulho Na Minha Cabeça Te Incomoda? Uma Memória Feita de Rock ‘n’ Roll – título original Does the Noise in My Head Bother You? A Rock ‘n’ Roll Memoir -
(Tyler, Steven, Dalton, David. Editora Benvirá: São Paulo, 2011. 1ª Ed. 512 págs.,
R$ 44,90).
Steven
Tyler é o notável vocalista do Aerosmith, grupo estadunidense de hard rock que
está na ativa há mais de 40 anos. Além dos vocais, Tyler é compositor, multi-instrumentista, ator, dublador e recentemente aventurou-se
por duas temporadas como jurado no programa musical American Idol. O excêntrico
Steven Tyler é alvo dos holofotes seja pelo seu trabalho, seja pelas polêmicas
que envolvem sua carreira e vida pessoal. O coautor da obra é David Dalton,
editor-fundador da revista Rolling Stone e escritor de livros relacionados ao
universo da música.
A
autobiografia esmiúça os 64 anos de vida de Tyler e apresenta, acima de tudo, o
ser humano que já nasceu predestinado a ser o rockstar que é. Enquanto há pais
que reprovam a música como profissão para seus filhos, os de Steven Tyler foram
os principais impulsionadores que motivaram o pequeno garoto de lábios grandes
de Yonkers a ter o respeito e a idolatria no cenário musical. De acordo com o
próprio autor, Victor e Susan eram, respectivamente, um competente pianista que
seguia a hierarquia familiar e uma heroína que adorava a liberdade tão como
sentir a brisa do vento. E para alçar voo rumo ao efervescente mundo do rock
que estava a surgir era preciso apenas um passo, ou melhor, um salto.
O
fato de a obra ser um best seller nos Estados Unidos não impressiona, tampouco
ser o livro mais vendido da lista do poderoso New York Times. Steven Tyler é o
carro-chefe da considerada “a maior banda de rock ‘n’ roll da América”, é
carismático, polêmico e talentoso. Apenas esses ingredientes despertam a
curiosidade do leitor de saber quem é Steven Tyler, o que se esconde por trás
de quilos de maquiagem e suas performances enérgicas e como funciona o coração
do grupo Aerosmith.
A
obra divide-se em um semiprólogo tão intenso quanto à vida desregrada de Steven
Tyler e 17 capítulos com títulos um tanto chamativos e deveras lisérgicos, como
“Intoxicação alimentar num piquenique familiar”. Tyler não deixa a peteca cair
em momento algum e o livro flui perfeitamente bem devido a sua inteligência e
seu tom bem-humorado de escrever.
Ao
longo das 512 páginas, Steven Tyler discorre sobre sua infância, juventude,
vida adulta e os dias atuais. Eis a criança que adorava vagar pelas inabitáveis
florestas de seu país, o jovem franzino frequentador de gangues temidas que
depois do primeiro contato com a maconha nunca mais foi o mesmo, o adolescente
Steven Tallarico, integrante dos grupos The Strangeurs e Chain Reaction que
conheceu Jim Morrison e Jimi Hendrix, mitos da música tão insanos como ele
viria a ser, o Steven que conheceu Joe Perry, seu fiel irmão de banda que
fritava as “melhores batatas do mundo” em uma lanchonete e se reuniria mais
tarde com o baixista Tom Hamilton, o baterista Joey Kramer e por fim o
guitarrista Brad Whitford para fundar o então desconhecido Aerosmith na cidade
de Boston.
Steven
Tyler narra com maestria sua história de sucessos e excessos com a banda. De
1970, ano de formação do grupo a 1979, data que marcou a ruptura da espinha
dorsal do grupo, o Aerosmith foi do céu ao inferno por não saber lidar com a
fama e o perigo das drogas pesadas. Se por um lado Tyler mostrou genialidade ao
compor com apenas 17 anos “Dream On”, talvez o maior sucesso da banda, por
outro seu estilo de vida “não-estou-nem-aí-com-as-consequências” era o
equilíbrio de sua fertilidade musical. O frontman
não estava sozinho nesse barco, pois seus companheiros de banda eram tão
inconsequentes ao ponto de venderem o avião de U$ 1 mi para comprar drogas.
Sexo, drogas e rock ‘n’ roll é um chavão que se faz verdade na vida de Steven.
O
lugar ao sol alçado por toda banda chegava aos poucos com o lançamento do
primeiro álbum intitulado apenas “Aerosmith” e o segundo “Get Your Wings” e a
fama pessoal crescia em ritmo contínuo com o excesso de drogas e sexo com toda
e qualquer fã que se oferecesse a Tyler. Nem mesmo o casamento com Cyrinda Foxe
o impediu de “praticar monogamia” e ter relações com outras garotas, inclusive
uma das puladas de cerca de Tyler resultou em Liv Tyler, sua filha com a
groupie Bebe Buell. Se em 1975 e em 1976 o Aerosmith alcançou o topo do mundo
com os lançamentos de Toys in the Attic e Rocks, respectivamente, os anos
seguintes marcariam o declínio da banda até a então previsível saída – ou
demissão, segundo Tyler – de Joe Perry após uma briga que envolvia as esposas
de Perry, do baixista Tom Hamilton e um copo de leite atirado em uma das mulheres.
O
início da década de 1980 foi obscuro para o Aerosmith. Sem Perry e Brad
Whitford, que deixou o grupo em 1981 por não ter espaço no grupo, a “maior
banda de rock ‘n’ roll da América” se autodestruía com o passar dos dias. Com
Jimmy Crespo e Rick Dufay nas guitarras, o Aerosmith lançou em 1982 o álbum
“Rock in a Hard Place”, fracasso de vendas e crítica que afundou a banda ainda
mais nas drogas. Se antes era um prazer descomunal assistir ao quinteto de
Boston em seu auge, o presente mostrava-se oposto. A banda não tinha a mesma
química de antes, Steven estava afundado nas drogas junto com seus
companheiros, o vocalista apresentava-se ridiculamente ao esquecer as letras
das músicas e ao ter um colapso no palco devido ao uso de substâncias ilícitas.
A
insatisfação como pessoa e músico só poderia resultar em uma coisa: reabilitação,
a primeira de muitas idas e vindas de Tyler a clínicas para expulsar as drogas
da vida do cantor. O que não deu certo na primeira ou na segunda tentativa, mas
se o desejo por cocaína era maior que a vontade de superação, ao menos Steven
recuperou seu grupo no ano de 1984. Já no ano seguinte, o grupo lançou o álbum
Done with Mirrors, outro conseguinte fracasso de vendas e críticas. Se o
sucesso cessava em bater na porta do Aerosmith, as drogas eram mais que
bem-vindas ao grupo. Contudo, os cinco integrantes, encorajados por empresários
– que Steven mostra claramente o repúdio que sente por eles – foram internados
em uma clínica de reabilitação.
A ressurreição
do Aerosmith veio em 1986 com o lançamento de “Walk This Way” em parceria com
os rappers do Run-D.M.C. Além de ter feito um sucesso estrondoso mundo afora, a
música tornou-se histórica por unir pela primeira vez o rock e o rap. Já limpos
e conscientes, o Aerosmith começou a contar com um time de compositores que não
pertenciam à banda, Desmond Child e Jim Vallance, e lançou um sucesso atrás do
outro: “Permanent Vacation” e “Pump”, álbuns multiplatinados e shows esgotados
fecharam a década do Aerosmith, retrato oposto do que era a banda no começo dos
anos 1980.
Já
no começo dos anos 1990 em que o grunge dominava os rádios e as televisões, o
Aerosmith tornou-se uma banda mais madura e hitmaker (fazedores de hits). Se o
quinteto era um tanto “careta” sem as drogas e os problemas que acompanham o
pacote, Steven, Joe, Tom, Joey e Brad, já quarentões, enfrentavam problemas com
as gravadoras e os empresários, com destaque ao descontentamento explícito a
Tim Collins. Enquanto o Aerosmith estourava na mídia com suas músicas pegajosas
e videoclipes à frente de seu tempo, os conflitos internos mostravam-se
frequentes e esse é o foco adotado por Tyler para dar continuidade ao seu
livro.
A
maturidade da banda e a consequente diminuição de problemas e/ou brigas não
desacelera o ritmo frenético do livro. Steven Tyler sabe usar as palavras tão
bem quando compõe letras de músicas como “Walk This Way”, “Sick As a Dog” ou
“Fever”. A partir dos anos 2000, Tyler faz uma reflexão profunda sobre sua
vida, sobre perdas e ganhos e dá ênfase maior à morte de Cyrinda Foxe, sua
ex-esposa, ao distanciamento para com os filhos – Mia, Liv, Chelsea e Taj – que
cresciam e ele não estava presente para acompanhá-los em momentos difíceis e também
relembra o falecimento de sua mãe e amiga, Susan.
Mas
como Tyler é um rockstar, há sempre um momento de recaída. Os quase vinte anos
de sobriedade foram ralo abaixo após o consumo excessivo de medicamentos para
controlar dores musculares. A idade chega para todos e não poupou Steven Tyler.
Anos e anos de apresentações, saltos e piruetas prejudicaram seu corpo, em
especial suas pernas, que sofriam com dores e cirurgias. O ápice do mau momento
do vocalista ocorreu em um show em Dakota do Sul, no ano de 2009. Tyler, após
ter consumido drogas, sofreu uma queda do palco e quebrou o ombro. Tal fato
deixou o livro do Aerosmith com um capítulo incerto. De lá até hoje, Steven
afirma que batalhou contra as drogas, deixou novamente a reabilitação e está
100% dedicado ao seu maior amor: Aerosmith.
Steven
Tyler escancara sua vida como um livro sem meias palavras e não teme
represálias de companheiros de banda, amigos ou até mesmo de inimigos. Sua vida
é repleta de altos e baixos, de alegria e tristeza, de contentamento e
descontentamento. Sua autobiografia está no mesmo nível de seus grandes
trabalhos como músico: é extenso, poderoso e polêmico e causa arrepios
semelhantes ao de quem ouve uma boa música do grupo. Além da leitura prazerosa,
o livro é composto por um extenso álbum de fotos que permeia toda a vida em
preto e branco de Steven Tyler às fotos coloridas que ilustram momentos únicos na
vida de ser humano: ter a família por perto, sentir-se completo como homem e o
sucesso profissional.
Há
quem diga que rockstars são pessoas desprezíveis fora do palco, que olham
apenas para o seu umbigo e vivem uma fantasia. Verdade ou não, Steven Tyler é
excluído desse grupo e apresentou clarividentemente que é um ser humano como
qualquer outro que acerta e erra na mesma proporção de um músico que lança uma
obra-prima atemporal e também falha quando tem a certeza de que compôs um
sucesso.
Em
tempos onde músicos abrem sua intimidade em forma de livro, vide os lançamentos
recentes de “Vida”, sobre o mítico guitarrista dos Rolling Stones, Keith
Richards e “Eu Sou Ozzy”, do precursor do heavy metal e eterno “príncipe das
trevas” Ozzy Osbourne, o livro de Steven Tyler mostra-se uma ótima sugestão que
vai além dos fãs de rock que um dia desejaram ter uma vida típica de um
rockeiro. Se você é um leitor curioso que gosta de atingir o máximo prazer da
leitura, esse é um livro mais que recomendado. Garanto que o “barulho na
cabeça” de Steven Tyler não irá te incomodar e sim te motivará a devorar esse
livro no menor tempo possível.
Por Henrique Santiago
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