A intocável figura de um rockstar

terça-feira, 2 de outubro de 2012

(Divulgação)


Crítica: Livro

Você sabe muito bem o que esperar quando aperta o play em um CD de sua banda de rock favorita: som pesado, agitação e alguns momentos reservados para baladas açucaradas que representam seu atual momento amoroso. Mas o que pensar quando se compra o livro do cantor do grupo que define parte da sua vida? É o desafio lançado em O Barulho Na Minha Cabeça Te Incomoda? Uma Memória Feita de Rock ‘n’ Roll – título original Does the Noise in My Head Bother You? A Rock ‘n’ Roll Memoir - (Tyler, Steven, Dalton, David. Editora Benvirá: São Paulo, 2011. 1ª Ed. 512 págs., R$ 44,90).

Steven Tyler é o notável vocalista do Aerosmith, grupo estadunidense de hard rock que está na ativa há mais de 40 anos. Além dos vocais, Tyler é compositor, multi-instrumentista, ator, dublador e recentemente aventurou-se por duas temporadas como jurado no programa musical American Idol. O excêntrico Steven Tyler é alvo dos holofotes seja pelo seu trabalho, seja pelas polêmicas que envolvem sua carreira e vida pessoal. O coautor da obra é David Dalton, editor-fundador da revista Rolling Stone e escritor de livros relacionados ao universo da música.

A autobiografia esmiúça os 64 anos de vida de Tyler e apresenta, acima de tudo, o ser humano que já nasceu predestinado a ser o rockstar que é. Enquanto há pais que reprovam a música como profissão para seus filhos, os de Steven Tyler foram os principais impulsionadores que motivaram o pequeno garoto de lábios grandes de Yonkers a ter o respeito e a idolatria no cenário musical. De acordo com o próprio autor, Victor e Susan eram, respectivamente, um competente pianista que seguia a hierarquia familiar e uma heroína que adorava a liberdade tão como sentir a brisa do vento. E para alçar voo rumo ao efervescente mundo do rock que estava a surgir era preciso apenas um passo, ou melhor, um salto.

O fato de a obra ser um best seller nos Estados Unidos não impressiona, tampouco ser o livro mais vendido da lista do poderoso New York Times. Steven Tyler é o carro-chefe da considerada “a maior banda de rock ‘n’ roll da América”, é carismático, polêmico e talentoso. Apenas esses ingredientes despertam a curiosidade do leitor de saber quem é Steven Tyler, o que se esconde por trás de quilos de maquiagem e suas performances enérgicas e como funciona o coração do grupo Aerosmith.

A obra divide-se em um semiprólogo tão intenso quanto à vida desregrada de Steven Tyler e 17 capítulos com títulos um tanto chamativos e deveras lisérgicos, como “Intoxicação alimentar num piquenique familiar”. Tyler não deixa a peteca cair em momento algum e o livro flui perfeitamente bem devido a sua inteligência e seu tom bem-humorado de escrever.

Ao longo das 512 páginas, Steven Tyler discorre sobre sua infância, juventude, vida adulta e os dias atuais. Eis a criança que adorava vagar pelas inabitáveis florestas de seu país, o jovem franzino frequentador de gangues temidas que depois do primeiro contato com a maconha nunca mais foi o mesmo, o adolescente Steven Tallarico, integrante dos grupos The Strangeurs e Chain Reaction que conheceu Jim Morrison e Jimi Hendrix, mitos da música tão insanos como ele viria a ser, o Steven que conheceu Joe Perry, seu fiel irmão de banda que fritava as “melhores batatas do mundo” em uma lanchonete e se reuniria mais tarde com o baixista Tom Hamilton, o baterista Joey Kramer e por fim o guitarrista Brad Whitford para fundar o então desconhecido Aerosmith na cidade de Boston.

Steven Tyler narra com maestria sua história de sucessos e excessos com a banda. De 1970, ano de formação do grupo a 1979, data que marcou a ruptura da espinha dorsal do grupo, o Aerosmith foi do céu ao inferno por não saber lidar com a fama e o perigo das drogas pesadas. Se por um lado Tyler mostrou genialidade ao compor com apenas 17 anos “Dream On”, talvez o maior sucesso da banda, por outro seu estilo de vida “não-estou-nem-aí-com-as-consequências” era o equilíbrio de sua fertilidade musical. O frontman não estava sozinho nesse barco, pois seus companheiros de banda eram tão inconsequentes ao ponto de venderem o avião de U$ 1 mi para comprar drogas. Sexo, drogas e rock ‘n’ roll é um chavão que se faz verdade na vida de Steven.

O lugar ao sol alçado por toda banda chegava aos poucos com o lançamento do primeiro álbum intitulado apenas “Aerosmith” e o segundo “Get Your Wings” e a fama pessoal crescia em ritmo contínuo com o excesso de drogas e sexo com toda e qualquer fã que se oferecesse a Tyler. Nem mesmo o casamento com Cyrinda Foxe o impediu de “praticar monogamia” e ter relações com outras garotas, inclusive uma das puladas de cerca de Tyler resultou em Liv Tyler, sua filha com a groupie Bebe Buell. Se em 1975 e em 1976 o Aerosmith alcançou o topo do mundo com os lançamentos de Toys in the Attic e Rocks, respectivamente, os anos seguintes marcariam o declínio da banda até a então previsível saída – ou demissão, segundo Tyler – de Joe Perry após uma briga que envolvia as esposas de Perry, do baixista Tom Hamilton e um copo de leite atirado em uma das mulheres.

O início da década de 1980 foi obscuro para o Aerosmith. Sem Perry e Brad Whitford, que deixou o grupo em 1981 por não ter espaço no grupo, a “maior banda de rock ‘n’ roll da América” se autodestruía com o passar dos dias. Com Jimmy Crespo e Rick Dufay nas guitarras, o Aerosmith lançou em 1982 o álbum “Rock in a Hard Place”, fracasso de vendas e crítica que afundou a banda ainda mais nas drogas. Se antes era um prazer descomunal assistir ao quinteto de Boston em seu auge, o presente mostrava-se oposto. A banda não tinha a mesma química de antes, Steven estava afundado nas drogas junto com seus companheiros, o vocalista apresentava-se ridiculamente ao esquecer as letras das músicas e ao ter um colapso no palco devido ao uso de substâncias ilícitas.

A insatisfação como pessoa e músico só poderia resultar em uma coisa: reabilitação, a primeira de muitas idas e vindas de Tyler a clínicas para expulsar as drogas da vida do cantor. O que não deu certo na primeira ou na segunda tentativa, mas se o desejo por cocaína era maior que a vontade de superação, ao menos Steven recuperou seu grupo no ano de 1984. Já no ano seguinte, o grupo lançou o álbum Done with Mirrors, outro conseguinte fracasso de vendas e críticas. Se o sucesso cessava em bater na porta do Aerosmith, as drogas eram mais que bem-vindas ao grupo. Contudo, os cinco integrantes, encorajados por empresários – que Steven mostra claramente o repúdio que sente por eles – foram internados em uma clínica de reabilitação.

A ressurreição do Aerosmith veio em 1986 com o lançamento de “Walk This Way” em parceria com os rappers do Run-D.M.C. Além de ter feito um sucesso estrondoso mundo afora, a música tornou-se histórica por unir pela primeira vez o rock e o rap. Já limpos e conscientes, o Aerosmith começou a contar com um time de compositores que não pertenciam à banda, Desmond Child e Jim Vallance, e lançou um sucesso atrás do outro: “Permanent Vacation” e “Pump”, álbuns multiplatinados e shows esgotados fecharam a década do Aerosmith, retrato oposto do que era a banda no começo dos anos 1980.

Já no começo dos anos 1990 em que o grunge dominava os rádios e as televisões, o Aerosmith tornou-se uma banda mais madura e hitmaker (fazedores de hits). Se o quinteto era um tanto “careta” sem as drogas e os problemas que acompanham o pacote, Steven, Joe, Tom, Joey e Brad, já quarentões, enfrentavam problemas com as gravadoras e os empresários, com destaque ao descontentamento explícito a Tim Collins. Enquanto o Aerosmith estourava na mídia com suas músicas pegajosas e videoclipes à frente de seu tempo, os conflitos internos mostravam-se frequentes e esse é o foco adotado por Tyler para dar continuidade ao seu livro.

A maturidade da banda e a consequente diminuição de problemas e/ou brigas não desacelera o ritmo frenético do livro. Steven Tyler sabe usar as palavras tão bem quando compõe letras de músicas como “Walk This Way”, “Sick As a Dog” ou “Fever”. A partir dos anos 2000, Tyler faz uma reflexão profunda sobre sua vida, sobre perdas e ganhos e dá ênfase maior à morte de Cyrinda Foxe, sua ex-esposa, ao distanciamento para com os filhos – Mia, Liv, Chelsea e Taj – que cresciam e ele não estava presente para acompanhá-los em momentos difíceis e também relembra o falecimento de sua mãe e amiga, Susan.

Mas como Tyler é um rockstar, há sempre um momento de recaída. Os quase vinte anos de sobriedade foram ralo abaixo após o consumo excessivo de medicamentos para controlar dores musculares. A idade chega para todos e não poupou Steven Tyler. Anos e anos de apresentações, saltos e piruetas prejudicaram seu corpo, em especial suas pernas, que sofriam com dores e cirurgias. O ápice do mau momento do vocalista ocorreu em um show em Dakota do Sul, no ano de 2009. Tyler, após ter consumido drogas, sofreu uma queda do palco e quebrou o ombro. Tal fato deixou o livro do Aerosmith com um capítulo incerto. De lá até hoje, Steven afirma que batalhou contra as drogas, deixou novamente a reabilitação e está 100% dedicado ao seu maior amor: Aerosmith.

Steven Tyler escancara sua vida como um livro sem meias palavras e não teme represálias de companheiros de banda, amigos ou até mesmo de inimigos. Sua vida é repleta de altos e baixos, de alegria e tristeza, de contentamento e descontentamento. Sua autobiografia está no mesmo nível de seus grandes trabalhos como músico: é extenso, poderoso e polêmico e causa arrepios semelhantes ao de quem ouve uma boa música do grupo. Além da leitura prazerosa, o livro é composto por um extenso álbum de fotos que permeia toda a vida em preto e branco de Steven Tyler às fotos coloridas que ilustram momentos únicos na vida de ser humano: ter a família por perto, sentir-se completo como homem e o sucesso profissional.
Há quem diga que rockstars são pessoas desprezíveis fora do palco, que olham apenas para o seu umbigo e vivem uma fantasia. Verdade ou não, Steven Tyler é excluído desse grupo e apresentou clarividentemente que é um ser humano como qualquer outro que acerta e erra na mesma proporção de um músico que lança uma obra-prima atemporal e também falha quando tem a certeza de que compôs um sucesso.

Em tempos onde músicos abrem sua intimidade em forma de livro, vide os lançamentos recentes de “Vida”, sobre o mítico guitarrista dos Rolling Stones, Keith Richards e “Eu Sou Ozzy”, do precursor do heavy metal e eterno “príncipe das trevas” Ozzy Osbourne, o livro de Steven Tyler mostra-se uma ótima sugestão que vai além dos fãs de rock que um dia desejaram ter uma vida típica de um rockeiro. Se você é um leitor curioso que gosta de atingir o máximo prazer da leitura, esse é um livro mais que recomendado. Garanto que o “barulho na cabeça” de Steven Tyler não irá te incomodar e sim te motivará a devorar esse livro no menor tempo possível. 

Por Henrique Santiago

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