“Não existe o apoio necessário para a arte e a cultura”

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011


Por Aline Romero
Nahid enfrenta desafios e preconceitos 
com talento e dedicação. (Acervo pessoal)


Nahid Phoenix sente a dança em seu coração há muito tempo. Apaixonada desde pequena pela arte de dançar, Nahid enfrentou desafios e preconceitos ao longo do tempo, sem nunca desistir de seus sonhos e objetivos. Dona do Estúdio Fênix de dança, Nahid é criadora e organizadora do Festival de Danças Ritmos do Oriente, maior evento de danças árabes da Zona Leste de São Paulo, já em sua 3ª edição. Nessa entrevista para a Agência Radar Jornalístico, Nahid conta um pouco de sua trajetória profissional, dá sua opinião sobre a atual situação da dança no Brasil e revela o que espera para o seu futuro.

Agência Radar Jornalístico - Quando começou seu contato com a dança?
Nahid Phoenix: O primeiro contato mesmo, aquele que me fez dizer ‘quero isso pra mim’ foi aos sete anos, vendo um programa de televisão chamado “A arte em movimentos”. Quando vi aquela moça girando vestida com roupas tão leves, me apaixonei. O ballet era meu sonho, mas um sonho bem distante, meu pai jamais permitiria e minha mãe não poderia pagar. O contato físico com a dança foi aos 11 anos, quando entrei na ginástica artística e rítmica, na escola onde estudava. Não era exatamente o ballet, mas tinha música e movimentos. Minha professora me disse que uma escola de dança havia sido aberta perto da minha casa. Fui trabalhar na casa de uma vizinha, ajudando nos trabalhos domésticos, e com meu primeiro pagamento semanal, corri na escola e fiz a matrícula, escondida dos meus pais. Quando entrei na sala de aula meu uniforme era um collant laranja e meia-fina preta da minha mãe e sapatilhas que fiz com meias que roubei do meu pai. Meu professor me disse que eu era a aluna mais colorida que ele já teve.  Cuidei de bebês, ensinei a filha da vizinha a escrever, levava criança na escola, ia à padaria...  Eu juntava moedas em saquinho de pipoca para pagar a mensalidade. O professor, que era o dono da escola, reparou e me deu seis meses de bolsa na escola. Com as moedas que ele me devolveu comprei minha primeira sapatilha. Era branca, e não preta como a das outras meninas, mesmo assim dancei tanto com ela que rasgou inteira. Depois disso não parei mais, o professor me indicou outra escola quando a dele fechou, onde eu trabalhei como estagiária em troca das aulas. Foi aí que começou outra fase na dança, a fase do ensino. Tive minha primeira turma de alunos de jazz. Fora o curso principal, dentro da grade fui obrigada a estudar dança contemporânea, lírico, afro jazz, dança de rua, expressão corporal e algumas danças culturais, foi aí que tive meu primeiro contato com a dança do ventre.

ARJ - Existe algum preconceito em torno da dança do ventre?
NP: Existe sim, por ser uma dança que tem um toque de sensualidade é confundida com dança do acasalamento. Mas isso é culpa de algumas bailarinas mal informadas ou mal instruídas, que abusam da sensualidade, transformando uma dança milenar de cultura respeitosa em uma demonstração vulgar e bizarra.

ARJ - Qual foi o momento mais marcante da sua carreira?
NP: A realização do meu primeiro evento nasceu em meu coração aos 14 anos. Fiz um projeto bem adolescente e guardei na gaveta. Desejava fazer um evento onde todos os bailarinos fossem tratados de maneira igual, sem estrelismos ou proteção, onde todos fossem considerados astros e estrelas da dança, mas que a atração principal fosse a arte com todo o seu esplendor. Quando participava de eventos observava tudo, absorvia cada detalhe, coisas boas como exemplo do que fazer e coisas ruins como exemplos do que não fazer. Chamei o Festival de Danças Ritmos do Oriente de “O evento dos sonhos” não porque era algo além do que se esperava, mas porque muitas pessoas estavam realizando sonhos ali. Bailarinas subindo no palco pela primeira vez, lançamentos de grifes, desfiles, expositores que nunca haviam mostrado seu trabalho, ou seja, a primeira vez para muitas pessoas. Sou grata ao Senhor Deus por permitir que eu dirigisse algo dado diretamente por Ele.

ARJ - De onde surgiu a ideia do Ritmos do Oriente?
NP: Participei de muitos eventos nesses longos 30 anos e a maioria deles não era muito honesto, infelizmente. Havia preconceito com os mais humildes, os negros e os iniciantes. Em alguns, inclusive, quando eu olhava a banca examinadora e olhava quem estava na competição, já sabia o resultado do concurso. Muitas vezes falei para as minhas alunas: ‘quando eu fizer meu evento não terá esse tipo de coisa, todos serão iguais, todos terão seu momento de brilhar’. Quando lancei o evento fiquei com medo, senti o peso da responsabilidade e sinto até hoje. Mas graças a Deus, é um evento abençoado, tranquilo, onde todos podem ficar à vontade e mostrar seu trabalho sem medo de ser feliz.

ARJ - Se não fosse dançarina o que seria?
NP: Já trabalhei como secretária executiva, mas a profissão do coração é médica.
 
ARJ - Como você vê o atual cenário da dança no Brasil?
NP: Muitos sonhos e pouca realização, muitos projetos e pouca aprovação. Infelizmente, não existe o apoio necessário do governo para a arte e a cultura. Pouquíssimos bailarinos ou dançarinos têm algum tipo de patrocínio. Aqui no Brasil acontece o maior evento de dança do mundo (Festival de Joinville), mas só para a elite. Não conheço nenhum bailarino da periferia que dançou lá, os custos com inscrições, passagem e hospedagem são totalmente fora da realidade daqui. Por causa dos altos custos a região mais carente fica praticamente impedida de estudar dança.  Por falta de estudo, vemos hoje em dia muita gente despreparada se intitulando professor e com isso causando lesões sérias em pessoas que desconhecem a forma correta de ensino. Um professor de dança tem que ter o mínimo de conhecimento de anatomia e biomecânica para não machucar o aluno, porque existe uma diferença muito grande entre alongar e esticar.

ARJ - Quais seus planos para o futuro?
NP: Não costumo planejar muito. A vida é imprevisível. Prefiro dizer quais são meus sonhos.  Quero tornar o Ritmos do Oriente um evento nacional e quem sabe internacional, ter uma escola de dança com toda estrutura e conforto que os alunos e professores merecem, ter possibilidade de dar a dança para quem ama e não tem condições de pagar, retribuir de alguma forma o que fizeram por mim.

1 comentários:

Athos disse...

Uma história linda, exemplo de determinação, profissional dedicada e competente com certeza será cada vez mais reconhecida.

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