Educomunicação: o diálogo entre duas áreas do conhecimento

terça-feira, 21 de junho de 2011

Por Anselmo Duarte e Ítalo Silva


Ismar de Oliveira, professor e educomunciador da
Universidade de Sao Paulo. (Por Ítalo Silva)

Ismar de Oliveira Soares, é professor titular da Universidade de São Paulo (USP) e ficou conhecido por todo o Brasil como uma das maiores referências em Educomunicação. Foi responsável por projetos como o Educom.TV e Educom.rádio, aplicados em 455 escolas do município de São Paulo. Educador do ano em 2007 pelo Prêmio Educarte, também assessorou a criação da Licenciatura em Educomunicação na USP. Atualmente supervisiona, no Estado de São Paulo, o curso de EAD, “Mídias na educação”, promovido pelo Ministério da Educação. Neste ano, Soares lançou o livro “Educomunicação: o conceito, o profissional, a aplicação - Contribuições para o ensino Médio”, pela editora Paulinas. Com muita franqueza e carisma, o professor nos recebeu em sua casa para falar sobre Educomunicação no Brasil e seus benéficios.

Agência Radar Jornalístico: A educação unida à comunicação vem sendo discutida desde os anos 70 pelo professor e jornalista argentino Mário Kaplun, radicado na Venezuela. Quais são as contribuições deste autor para a Educomunicação?
Ismar de Oliveira Soares: Enquanto radialista, ele se aproximou muito da cultura popular, favorecendo os grupos populares para que eles dominassem a produção da informação. E Kaplun implementou, o quê naquele período passamos a denominar de, a leitura crítica da comunicação.

ARJ: Qual era a importância da leitura crítica da comunicação naquele momento para a sociedade latino-americana?
Soares: Era importante contribuir para que o povo identificasse o seu lugar na sociedade e fizesse a leitura do mundo. Gramsci, Paulo Freire e Mário Kaplun foram três nomes importantes para a Educomunicação. Deixava-se de simplesmente resmungar contra a mídia e dizer que ela manipulava para afirmar: “Eu preciso construir um caminho”.

ARJ: Muitas pessoas dos anos 70 que se diziam revolucionárias acabaram se acomodando e foram se adaptando às circunstâncias, às novas políticas e acabaram diminuindo a sua convicção revolucionária. Isso também aconteceu com Mário Kaplun?
Soares: Isso foi o mais importante. Ele veio a falecer nos anos 90 e manteve, com mais de 80 anos, a mesma coerência de pensamento, uma coerência do sistema epistemológico. Essa coerência estava no fato de reconhecer que a área da educação era uma área de prática de comunicação.

ARJ: Em qual contexto surgiu a Educomunicação?
Soares: Ela surge num contexto de resistência, entre vários movimentos, especialmente, o movimento político de libertação da ditadura que favoreceu os grupos populares e os recursos da comunicação que começaram a chegar. Na década de 80, chegou a câmera portátil, que antes estava nos estúdios de forma pesada. As Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), que eram as comunidades das igrejas cristãs católicas, começavam a se reunir para discutir o evangelho e se articular a partir da Teoria da Libertação. Houve o movimento do vídeo popular que foi marcante com a professora Regina Festa, o professor Santoro, entre outros do Brasil. A denominação era a comunicação alternativa.

ARJ: Como educação e comunicação se relacionavam?
Soares: O olhar da educação sobre a comunicação era de que alguns instrumentos poderiam ser úteis. A educação atribuiu aos instrumentos comunicativos, o título de tecnologias educativas, como: o vídeo, o jornal e o rádio. Um segundo pensamento era de que a comunicação deseducava. E, por fim, um terceiro pensamento acreditava que a comunicação era livre demais e que a educação tinha conteúdos sérios, vigiados etc. A comunicação achava que a educação era coisa de pobre, organizada pelo Estado e chata, com seus telecursos monótonos, por exemplo. A comunicação não enxergava na educação possibilidades de mercado.

ARJ: Os governos ao longo da história interferiram na relação entre comunicação e educação?
Soares: Em 1967, o presidente Castelo Branco estabeleceu a obrigatoriedade de que os sistemas comunicativos tivessem 5 horas semanais dedicadas à educação. Quando o Collor assumiu em 1990, uma das primeiras medidas foi desobrigar as emissoras e rádios a cumprirem tal medida. Mas grandes emissoras de rádio e TV continuaram a fazer programas educativos de modo diferente das redes educativas, como exemplo temos o Globo Ciência e o Globo Ecologia, que com criatividade conquistaram audiência.

ARJ: Quando surge o termo Educomunicação?
Soares: Surge em 1996, quando foi criado na USP um Núcleo de Comunicação e educação: ele tinha uma preocupação de entender como se dava a relação entre os dois conceitos e percebemos o estranhamento e as práticas. A luta pela liberdade de expressão levou pessoas a produzir conceitos teóricos e metodológicos. Não criamos a Educomunicação, em 1999, concluímos a pesquisa que fazíamos e demos nome a essa realidade.

ARJ: O senhor foi um dos grandes responsáveis por levar a Educomunicação para várias escolas. Como se deu essa experiência na prática e quais foram os êxitos e os obstáculos?
Soares: A Prefeitura de São Paulo no mandato de Marta Suplicy chegou até nós com o problema da violência. Havia um projeto chamado Vida que cuidava da paz nas escolas. Imaginavam que iríamos fazer algumas oficinas para professores e estes retransmitiriam o conteúdo para as crianças. Um grande choque foi oferecer a proposta de trabalhar com os diversos sujeitos no mesmo espaço, tais como: alunos, professores, universitários, psicólogos e até um bombeiro. Além disso, tivemos em cada grupo, um jovem universitário como mediador. Isso foi inovador. A primeira crise foi a discussão entre alunos e professores. No final do primeiro ano havíamos atingido um terço das escolas e a professora Cida Perez, secretária de Educação na época, declarou que houve uma redução de 50% da violência com o início desse trabalho.

ARJ: Como está a Educomunicação hoje?
Soares: José Serra quando assumiu a prefeitura colocou o Edu.com na geladeira por dois anos. Era pra matar o projeto. Felizmente, não conseguiu. Hoje, temos 300 escolas praticando a Educomunicação na cidade de São Paulo. Existe uma pesquisa fora do nosso campo e que vem da Prova Brasil, realizada pelo Ministério da Educação em 2007: das 40 escolas que melhor se classificaram no índice de aprendizado, o único dado em comum é que elas trabalhavam com comunicação.

ARJ: Os educomunicadores têm um campo amplo?
Soares: Educomunicação é transversal, por natureza. Qualquer formação humana pode trabalhar com ela: Geografia, História, Pedagogia etc. A medicina, por exemplo, está precisando muito de Educomunicação. O educomunicador só não pode ser arrogante e deve aprender a conviver e partilhar. Aproximadamente 3.800 escolas públicas pediram recursos e formação para desenvolverem seus projetos educomunicativos. Além disso, há um grande campo para empresas midiáticas trabalharem e com certeza para novos comunicólogos também.

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