Por Jennifer Muricy
Roberto Muggiati é formado em Jornalismo na França, trabalhou na BBC de Londres e foi editor de uma das mais importantes revistas brasileiras dos anos 50, a “Revista Manchete”, publicação do empresário Adolpho Bloch. Teve diversos livros publicados, entre eles, o livro “Aconteceu na Manchete” que relatou, junto com outros jornalistas, a história da revista. Procuramos Muggiati para nos relatar como a revista Manchete marcou a história do jornalismo impresso brasileiro.
Agência Radar Jornalístico: Você é jornalista formado no exterior, quais são as principais diferenças entre o jornalismo nacional e o jornalismo internacional?
Roberto Muggiati: Quando fui estudar em Paris, o jornalismo brasileiro se modernizava (segundo a técnica americana do lide e sublide) e o jornalismo francês ainda era um tanto ‘editorialesco’, menos objetivo. Mas o curso que eu fiz no Centre de Formation des Journalistes, mantido pelos próprios grupos patronais, para formar bons profissionais, era bastante avançado. A prova final obrigava cada aluno a escrever e paginar a primeira página de um jornal do dia seguinte, recebíamos as notícias e tínhamos que escrever, titular, legendar, escolher as fotos, diagramar com as medidas tipográficas corretas, enfim, fazer tudo o que o editor-chefe de qualquer jornal parisiense estaria fazendo naquela noite.
ARJ: Falando um pouco sobre a revista Manchete; lá havia jornalistas e colaboradores de renome, entre eles, Carlos Drummond de Andrade. Talvez por isso ela foi considerada uma das revistas mais vendidas do país?
Muggiati: Não só Drummond, mas também Vinicius, Antônio Maria, Sérgio Porto, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Rubem Braga, Otto Maria Carpeaux e muitos outros assinaram textos na Manchete. Escritores como Magalhães Jr, Carlos Heitor Cony, Josué Montello, Joel Silveira, José Carlos de Oliveira e Ruy Castro fizeram parte do quadro de redatores da revista.
ARJ: Como a revista passou pela era da ditatura militar, visto que vários meios de comunicação foram censurados?
Muggiati: Havia um coronel à paisana que dava expediente na Manchete. Era até mais pontual que a maioria dos funcionários. Não havia censura política direta porque os militares esperavam que a imprensa respeitasse os limites da censura e os patrões não queriam ver a firma fechada. Os próprios donos dos principais veículos - os Mesquita, Civita e Frias, em São Paulo e os Marinho e Bloch no Rio de Janeiro - mantinham o ‘olho aberto’ para o que se escrevia nas suas páginas. Ao mesmo tempo, como os jornalistas de esquerda eram o filé da profissão, esses patrões acima citados tratavam com zelo seus ‘preciosos comunistas’, pois os mesmos traziam lucro para seus cofres. Esta é mais uma das contradições flagrantes no processo ditatorial da Manchete.
ARJ: Você teve alguma matéria proibida de ser publicada pela censura?
Muggiati: A censura se irritava com nudez e sexo. Uma vez a Manchete publicou uma reportagem comprada da revista alemã Stern que mostrava uma reunião na Índia de fiéis do Bhagwan Shree Rajneesh (Osho), com uma foto aberta em página dupla mostrando homens e mulheres no clima ‘todo-mundo-nú’, parecia até uma bacanal. A revista foi recolhida em várias regiões do país, o que causou um tremendo prejuízo. Mas a iniciativa partiu de um juiz de menores (flagrado depois como pedófilo) e não dos militares. Toda a atmosfera de censura permitia que outras autoridades exercessem o seu poder para prejudicar a liberdade de expressão. Falando de sexo, a revista EleEla, lançada em 1968, que não chegava a publicar fotos de mulheres nuas (o que era proibido), mas somente de biquinão, tinha a arte-final de todas as suas páginas submetidas à aprovação prévia da censura antes de ir às bancas.
ARJ: Você sofreu algum tipo de censura por parte dos militares como jornalista? Conheceu algum amigo de trabalho que sofreu censura?
Muggiati: Era uma espécie de roleta russa. Publiquei um livro em 1968, uma semana antes do AI-5, “Mao e a China”, um verdadeiro manifesto a favor do comunismo chinês e os jornais publicaram que foi o último livro que o capitão Lamarca leu antes de ser fuzilado pela ditadura no Agreste baiano. Nada me aconteceu. Já o Vladimir Herzog, que tinha a minha idade e foi para a minha vaga na BBC de Londres, quando saí de lá em 1965, foi morto nos porões do Doi-Codi de São Paulo só porque botou no ar na TV Cultura um programa de uma TV estrangeira sobre o fim da Guerra do Vietnã. Muitos colegas de redação em São Paulo – e até alguns do Rio – foram penalizados pela ditadura.
ARJ: Sabemos que a censura não se deu somente no período compreendido entre 1964 e 1985, atualmente esse tipo de prática ainda ocorre só que por ‘debaixo dos panos’, qual a sua opinião sobre a falta de liberdade de expressão nos meios de comunicação?
Muggiati: O jornalista precisa sobreviver como assalariado de uma grande empresa capitalista; que por sua vez, precisa sobreviver obtendo lucros no mercado. A ameaça dos meios virtuais de comunicação só acirra o problema. Tudo isso explica a nuvem de conformismo que baixou na mídia em geral. O debate político autêntico escapou da grande imprensa e tenta preencher as frestas dos blogs e das ONGs. A web, de certa forma, veio preencher os espaços ocupados nos anos 60/70 pela imprensa alternativa e underground.
ARJ: Você se recorda de como foi o fechamento da revista Manchete? Se a revista ainda fosse publicada, como seria o seu segmento e as suas publicações?
Muggiati: Sim, fiquei lá até o último dia, quando a justiça lacrou as portas do prédio da Rua do Russell, aquele portento arquitetônico de Oscar Niemeyer, de mármore e vidros negros, que ficou plantado na praia do Flamengo como um Titanic ou como o enigmático monolito de Stanley Kubrick em 2001. A Manchete foi uma revista de qualidade que fez época no jornalismo brasileiro. Acabou falindo como avalista de uma dívida da TV Manchete. Quando a Bloch ganhou a concessão da Rede Manchete e a colocou no ar, em 1983, as revistas foram abandonadas e definharam. O fim das revistas da Bloch foi muito mais um naufrágio empresarial do que jornalístico.
ARJ: Você foi um dos escritores do livro “Aconteceu na Manchete”. Como foi escrever um livro sobre a revista?
Muggiati: Foi um trabalho solidário de equipe e uma empreitada feliz por nos permitir registrar num livro a riqueza jornalística e humana daqueles 48 anos de Manchete.
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