Por Aline Romero
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Nahid enfrenta desafios e preconceitos
com talento e
dedicação. (Acervo pessoal)
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Nahid Phoenix sente a dança em seu coração há muito
tempo. Apaixonada desde pequena pela arte de dançar, Nahid enfrentou desafios e
preconceitos ao longo do tempo, sem nunca desistir de seus sonhos e objetivos.
Dona do Estúdio Fênix de dança, Nahid é criadora e organizadora do Festival de
Danças Ritmos do Oriente, maior evento de danças árabes da Zona Leste de São
Paulo, já em sua 3ª edição. Nessa entrevista para a Agência Radar Jornalístico,
Nahid conta um pouco de sua trajetória profissional, dá sua opinião sobre a
atual situação da dança no Brasil e revela o que espera para o seu futuro.
Agência Radar Jornalístico - Quando começou seu contato com a dança?
Nahid Phoenix: O primeiro contato
mesmo, aquele que me fez dizer ‘quero isso pra mim’ foi aos sete anos, vendo um
programa de televisão chamado “A arte em movimentos”. Quando vi aquela moça
girando vestida com roupas tão leves, me apaixonei. O ballet era meu sonho, mas
um sonho bem distante, meu pai jamais permitiria e minha mãe não poderia pagar.
O contato físico com a dança foi aos 11 anos, quando entrei na ginástica
artística e rítmica, na escola onde estudava. Não era exatamente o ballet, mas
tinha música e movimentos. Minha professora me disse que uma escola de dança
havia sido aberta perto da minha casa. Fui trabalhar na casa de uma vizinha,
ajudando nos trabalhos domésticos, e com meu primeiro pagamento semanal, corri
na escola e fiz a matrícula, escondida dos meus pais. Quando entrei na sala de
aula meu uniforme era um collant laranja e meia-fina preta da minha mãe e
sapatilhas que fiz com meias que roubei do meu pai. Meu professor me disse que
eu era a aluna mais colorida que ele já teve.
Cuidei de bebês, ensinei a filha da vizinha a escrever, levava criança
na escola, ia à padaria... Eu juntava
moedas em saquinho de pipoca para pagar a mensalidade. O professor, que era o
dono da escola, reparou e me deu seis meses de bolsa na escola. Com as moedas
que ele me devolveu comprei minha primeira sapatilha. Era branca, e não preta
como a das outras meninas, mesmo assim dancei tanto com ela que rasgou inteira.
Depois disso não parei mais, o professor me indicou outra escola quando a dele
fechou, onde eu trabalhei como estagiária em troca das aulas. Foi aí que
começou outra fase na dança, a fase do ensino. Tive minha primeira turma de
alunos de jazz. Fora o curso principal, dentro da grade fui obrigada a estudar
dança contemporânea, lírico, afro jazz, dança de rua, expressão corporal e
algumas danças culturais, foi aí que tive meu primeiro contato com a dança do
ventre.
ARJ - Existe algum preconceito em torno da
dança do ventre?
NP: Existe sim, por
ser uma dança que tem um toque de sensualidade é confundida com dança do
acasalamento. Mas isso é culpa de algumas bailarinas mal informadas ou mal
instruídas, que abusam da sensualidade, transformando uma dança milenar de
cultura respeitosa em uma demonstração vulgar e bizarra.
ARJ - Qual foi o momento mais marcante da sua carreira?
NP: A realização do meu primeiro evento nasceu em meu coração
aos 14 anos. Fiz um projeto bem adolescente e guardei na gaveta. Desejava fazer
um evento onde todos os bailarinos fossem tratados de maneira igual, sem
estrelismos ou proteção, onde todos fossem considerados astros e estrelas da
dança, mas que a atração principal fosse a arte com todo o seu esplendor.
Quando participava de eventos observava tudo, absorvia cada detalhe, coisas
boas como exemplo do que fazer e coisas ruins como exemplos do que não fazer.
Chamei o Festival de Danças Ritmos do Oriente de “O evento dos sonhos” não
porque era algo além do que se esperava, mas porque muitas pessoas estavam
realizando sonhos ali. Bailarinas subindo no palco pela primeira vez, lançamentos
de grifes, desfiles, expositores que nunca haviam mostrado seu trabalho, ou
seja, a primeira vez para muitas pessoas. Sou grata ao Senhor Deus por permitir
que eu dirigisse algo dado diretamente por Ele.
ARJ - De onde surgiu a ideia do Ritmos do Oriente?
NP: Participei de muitos eventos nesses longos 30 anos e a
maioria deles não era muito honesto, infelizmente. Havia preconceito com os
mais humildes, os negros e os iniciantes. Em alguns, inclusive, quando eu
olhava a banca examinadora e olhava quem estava na competição, já sabia o
resultado do concurso. Muitas vezes falei para as minhas alunas: ‘quando eu
fizer meu evento não terá esse tipo de coisa, todos serão iguais, todos terão
seu momento de brilhar’. Quando lancei o evento fiquei com medo, senti o peso
da responsabilidade e sinto até hoje. Mas graças a Deus, é um evento abençoado,
tranquilo, onde todos podem ficar à vontade e mostrar seu trabalho sem medo de
ser feliz.
ARJ - Se não fosse dançarina o que seria?
NP: Já trabalhei como secretária executiva, mas a profissão
do coração é médica.
ARJ - Como você vê o atual cenário da dança no Brasil?
NP: Muitos sonhos e pouca realização, muitos projetos e pouca
aprovação. Infelizmente, não existe o apoio necessário do governo para a arte e
a cultura. Pouquíssimos bailarinos ou dançarinos têm algum tipo de patrocínio.
Aqui no Brasil acontece o maior evento de dança do mundo (Festival de
Joinville), mas só para a elite. Não conheço nenhum bailarino da periferia que
dançou lá, os custos com inscrições, passagem e hospedagem são totalmente fora
da realidade daqui. Por causa dos altos custos a região mais carente fica
praticamente impedida de estudar dança.
Por falta de estudo, vemos hoje em dia muita gente despreparada se
intitulando professor e com isso causando lesões sérias em pessoas que
desconhecem a forma correta de ensino. Um professor de dança tem que ter o mínimo de
conhecimento de anatomia e biomecânica para não machucar o aluno, porque existe
uma diferença muito grande entre alongar e esticar.
ARJ - Quais seus planos para o futuro?
NP: Não costumo planejar muito. A vida é imprevisível.
Prefiro dizer quais são meus sonhos.
Quero tornar o Ritmos do Oriente um evento nacional e quem sabe
internacional, ter uma escola de dança com toda estrutura e conforto que os
alunos e professores merecem, ter possibilidade de dar a dança para quem ama e
não tem condições de pagar, retribuir de alguma forma o que fizeram por mim.